O Warcraft 3 moderno está marcado por uma choradeira entre jogadores de todos os níveis. Basta ter um Undead na tela de qualquer transmissão ao vivo que especialistas do jogo sairão do bueiro para apontar o quanto essa raça está roubada.
“UD OP” é o canto preferido de tais seres. A frase já foi tão repetida que virou meme em alguns lugares da comunidade de Warcraft 3. Afinal, basta ter dois olhos para perceber como o combo Death Knight + Lich é “roubado”. É isso o que eles dizem.
Mas não, Undead não é OP como dizem. Há números concretos que provam que essa informação é errada e eles só não querem conferir isso nos lugares certos.
Um pouco de história antes de tudo
A era pós-Happy é, de fato, um caso curioso. Jogadores mais antigos de Warcraft 3 devem se perguntar o que infernos aconteceu para justamente Undead ser o alvo de acusações do tipo. Afinal, com Moon sendo o pivô de tantos milagres pela história do jogo ou Grubby, Lyn ou Fly100% brilhando tanto com Blademaster, como pode uma raça de seres esqueléticos ser rotulada como “apelona”.
Pra começo de conversa: Undead foi considerada, por quase uma década, como a raça mais fraca do jogo. Entre o lançamento do jogo em 2002 até 2012, a raça nunca conseguiu levar muitos títulos de destaque no cenário internacional. Houve raras exceções, mas podemos mostrar como a World Cyber Games, um dos eventos mais prestigiados de toda a comunidade, só teve a presença de um jogador dessa raça por quase dez anos de história.
Veja o top 4 por dez anos de WCG.










Se observar atentamente, verá que somente um Undead se sobressaiu até os momentos finais dos playoffs da WCG em quase dez anos: Happy. Isso até TeD quebrar o estigma total de que Undead era a pior raça, vendendo a edição de 2012. Mas são quase dez anos sem sequer aparecer no top 4.
Temos outras exceções em campeonatos de prestígio, é claro. FoV venceu a ESWC 2004 e Lucifer a ESWC 2006, por exemplo. Mas basta olhar e contar nos dedos os vencedores Undead de torneios Tier 1 lá na Liquipedia de 2002 até 2016.
Mas, afinal, o que aconteceu depois disso?
A era dos Mortos-Vivos
Em 2017 a Blizzard voltou a atualizar o Warcraft 3 depois de quase dez anos sem se importar com isso. Tudo começou com a 1.28d que diminuiu o lag da Battle.net. Posteriormente, eles também tentaram dar uma “dinamizada” na raça dos mortos-vivos para tornar outras estratégias além de DK + Fiends como viáveis. Foi aí que a dinâmica começou a mudar e outros jogadores Undead começaram a aparecer no topo das principais competições. Aliás, foi o mesmo patch que tornou Keeper um herói extremamente viável para os Elfos.

O chinês 120 foi o primeiro a conquistar espaço, vencendo os principais campeonatos numa época que somente o cenário asiático estava explodindo.

Em 2019, Happy venceu o campeonato de maior prestígio internacional até então, a WGL. Isso iniciou uma disparada anos depois, quando o cenário floresceu com o lançamento do Warcraft 3: Reforged.
Hoje, Happy e eer0 (anteriormente 120) estão nos dois primeiros lugares do ranking mundial da Warcraft3.info. Happy vence constantemente os torneios europeus e ameaça o cenário oriental, que também conta com eer0 levando títulos por lá.
Mas isso indica que a raça ficou totalmente roubada?
Não, Undeads não são OP
Patches vão e patches vem e os mesmos jogadores mortos-vivos continuam no topo do cenário. Espectadores adoram apontar, com isso, que a raça está roubada. Afinal, Happy sempre vence a W3Champions. Venceu as finais da DreamHack 2022 — o Mundial do ano passado — e consistentemente vence eventos presenciais. O apontamento mais recente que li é que a raça “faz o jogador parecer um Deus”.
Undead faz jogador mediano parecer assombroso e faz jogador top parecer um Deus (happy).
— Guilherme Pereira (@UrtigaoPereira) November 14, 2022
Não é bem assim. Vamos aos números.
O ranking da W3Champions reúne os melhores jogadores de Warcraft 3 em todo o mundo desde o lançamento do Reforged. Eles contam com uma estrutura robusta de servidores que permitiu que jogadores europeus, orientais e até mesmo americanos jogassem entre si em condições estáveis de ping — muitas vezes melhor que a própria Battle.net.
Com o argumento de “Undead OP” em mãos, vamos analisar os números de Mestres e Grão-Mestres que chegam entre os melhores do mundo por lá? Afinal, deve ser fácil ser um jogador mediano de mortos-vivos e chegar entre na elite, não é mesmo?








Será que preciso continuar? Undead nunca esteve no topo entre o número de jogadores. E sempre vale lembrar aqui: Happy sempre tem 3 contas no Grão-Mestre. Isso significa que o número de mortos-vivos em GM sempre é efetivamente menos dois.
Opa, quer ver mais? O site Warcraft3.info compila um sistema de ELO baseado na performance de todos os jogadores em campeonatos da comunidade.
Devemos ter muitos Undeads no topo então, certo? Veja a última atualização, já contando com o resultado da W3Champions Season 12.


Na tabela temos:
- 10 jogadores de Night Elf;
- 7 jogadores de Orc;
- 5 jogadores de Human;
- 5 jogadores de Undead.
O que isso significa?
Observando por anos esse jogo, digo que Undead é uma raça difícil de jogar em Warcraft 3. Requer gameplay preciso, curas certeiras, um micro exigente e um macro refinado. Mas quando você alia todas essas questões, ela sim é uma das raças — senão a mais — poderosa do jogo. Mas você não pode vacilar. Em quase nenhum momento. E isso se prova nos números: pouquíssimos chegam até o topo. Basta olhar a diferença entre nas estatísticas da W3Champions.
Eis aqui a taxa de vitórias de todos os jogadores — incluindo novatos, veteranos e profissionais.

Observe como os números de Undead aumentam quando filtramos para jogos de Mestre ou acima…

Mas o mimimi sempre continua…
“Ah, mas Undead tem Frost Nova, Coil muito forte e blá blá blá”. Amigão, vem comigo: todas as raças tem pontos fortes. Você só citou o ponto forte dos mortos-vivos. Aquele que vai destacar aos olhos de um espectador sei-lá-quantos-MMR e frustrar jogadores quando você jogar contra um Undead.
De que adianta um combo assim quando Elfos podem recuperar a vida com um staff preciso? Ou matar seu herói com um crítico surpresa de Blademaster?
Quando você senta sua bunda pra jogar Warcraft 3, você se expõe aos pontos fortes e fracos da sua raça que escolheu. Sim, tem raças que são mais favoráveis para determinados níveis de habilidade.
Olhe novamente para os números e veja quais são as raças que mais se destacam entre Mestres e Grão-Mestres. Deixa eu cortar seu barato: Elfos sempre estiveram no topo. É uma raça de jogo agressivo, que busca punições por erros de posicionamento ou vacilos de macro do adversário. E isso acontece em todos os níveis de jogo.
Mas, quando você beira o jogo mais perfeito do mundo, claramente Undead vai ser uma raça que beira o imbatível. Basta um vacilo com seu herói na zona de perigo de um combo para você perder ele e seu jogo desabar. Se você tiver um micro perfeito, vai conseguir controlar suas unidades e curar elas no momento certo, conseguindo fazer as brigar mais incríveis do mundo. Happy consegue isso.

O russo conseguiu vencer 18 — sim, dezoito — edições da Back2Warcraft Weekly jogando de Random. Sim, aleatório. Qualquer raça que cair ele tem condições de ganhar. Pra mim, isso só mostra que não importa a raça, se você explorar 100% dela, você beira o imbatível. Ele não precisa de Undead pra fazer isso. E também mostra que apontar os jogos dele como base para sua choradeira é simplesmente uma desculpa por achar que o jogo está quebrado.
Warcraft 3 não está quebrado. É você que não sabe evoluir.
Em resumo, caso você seja preguiçoso demais para ler tudo isso: Undead não é OP. Mas o Happy é.